sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Todo tricolor é gay?

Pó-de-arroz é passado*

Como o chefe era rigoroso e exigia dedicação, o treinamento físico havia sido extenuante. Depois de infindáveis sessões de chutes, arranques e carrinhos, nada como um banho demorado, relaxante. Deixou o jato de água quente bater nas costas. Parecia massagem. Desligou o chuveiro. Enquanto a mão alcançava a toalha, os olhos procuravam o espelho. O lateral direito Gabriel dos Santos, camisa quatro do Fluminense, sorriu para a própria imagem. Secou-se e, cuidadosamente, pôs o brinco. Começou então um ritual que é hoje tão vital para os jogadores de futebol quanto o treinamento e a concentração: o da aplicação de cosméticos e perfumes.

Entre os seus companheiros de time, a predileção vai para a marca Victoria’s Secret, que começou produzindo lingerie para venda pelo correio e hoje faz produtos até para a robusta rapaziada do Fluminense. A colônia 212, da linha Carolina Herrera, também não faz feio. Os hidratantes são essenciais: mãos e pés merecem cuidados aveludados porque são as ferramentas de trabalho. Só quem calça chuteiras ou veste luvas seis dias por semana sabe o estrago que elas fazem.

“Acabou esse mito de que homem não se cuida”, diz Gabriel, dono de um dos nécessaires mais opulentos do time das Laranjeiras. Dos tempos em que jogou na Espanha – defendeu o Málaga, em 2006 –, ele trouxe o gosto pelos perfumes estrangeiros, e reabastece o estoque toda vez que viaja para o exterior.

Gabriel não é nenhum vanguardeiro e o fenômeno não se restringe ao time pó-de-arroz. Entre jogadores daqui e do exterior, Victoria’s Secret e Carolina Herrera são marcas ubíquas como Nike ou Adidas. Desde a irrupção de David Beckham nos gramados ingleses, cheirar bem se tornou quase tão importante quanto chutar bem.

No nécessaire de Gabriel, da grife Calvin Klein, está sua última descoberta: o hidratante Beauty Rush, fragrância maçã, da Victoria’s Secret. Seu orgulho é grande – Beauty Rush maçã, só ele tem. Alguns colegas já mandaram vir, mas quando o primeiro invejoso aparecer no vestiário com um frasco igual, Gabriel terá a resposta pronta: Beauty Rush frutas vermelhas, que ele guarda em casa, embaladinho. Por que a troca? “Porque já enjoei do champanhe com chantilly”, diz com certo desdém. Além do hidratante triunfal, o nécessaire contém um perfume Bulgari Black, um creme para as mãos da Gap e um kit para a cútis carinhosamente montado pela namorada, a atriz Fabiana Alvarez: tônico para limpeza facial, um hidratante e um sabonete especial para pele seca, tudo da Clinique.

O goleiro Fernando Henrique é outro soldado das tropas hidratadas, perfumadas e macias. Começou de baixo, e com os primeiros caraminguás foi se afeiçoando à toalete cheirosa. Hoje, se lambuza. Os gastos com cosméticos podem ultrapassar 500 reais por mês. “Mas pode incluir nessa conta os produtos que compro para a minha noiva”, explica com um sorriso. A namorada é sempre uma boa desculpa, mas em boa parte dos casos a bancada do banheiro do jogador tem mais cremes do que a penteadeira de marias-chuteiras, noivas e esposas. Com exceção de perfume e maquiagem, os cosméticos usados pelos dois são quase os mesmos.

O goleiro tricolor ainda está na fase Victoria’s Secret champanhe com chantilly. Ao perceber que corria o risco de ser considerado mais ultrapassado que desodorante Rexona, juntou-se ao grupo dos que encomendaram o Beauty Rush maçã. Vez por outra, para experimentar, pega o hidratante de algum colega. Já ganhou uma toalhada do zagueiro Luiz Alberto. “E olha que eu peguei um bocadinho de nada”, justifica com voz miúda.

Aplicados todos os cremes, Fernando Henrique se volta para os cabelos, tratados a pão-de-ló com gel fixador da L’Oréal. A seguir, o perfume eleito da semana: Light Blue, da Dolce & Gabbana. Quarenta minutos depois de ter entrado no chuveiro, finalmente ele deixa o vestiário. Em casa, ele reserva outras cinco marcas de perfume para usar conforme a ocasião. “Se vou a um restaurante, uso algo mais suave”, ensina o goleiro. E emenda: “Adoro quando me chamam de cheiroso.”

O torcedor ainda pouco familiarizado com as novas práticas poderá ficar com a pulga atrás da orelha: se cada ocasião exige cosméticos específicos, o que usa o jogador antes de entrar em campo? O lateral Gabriel não se furta a responder: “Pelo menos um cremezinho e o perfume têm que rolar.” É o básico.”

* Publicado na revista Piauí em maio deste ano.

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