terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A injustiça e o futebol

Há uma forte tendência auto-imolatória no apaixonado pelo futebol. Afinal de contas, qual o esporte que mantém relação tão promíscua com a injustiça?

Sentem-se aqui, acomodem-se, abram uma cervejinha bem gelada, acendam um cigarro e vamos começar pela premissa que nos guiará daqui por diante: o nosso time sempre estará condenado à miserável condição de derrotado!

As razões são cristalinas:

Nosso goleiro é um mão de quiabo, useiro e vezeiro na arte do frango. A zaga é uma peneira de dar dó que só funciona na base da botinada. As laterais não apóiam. Que ocupassem a lateral de fora do campo e assim economizaríamos grama. A meia cancha é uma repartição pública. Há repulsa ao trabalho coletivamente organizado. Não municia o ataque que, por sua vez, não ataca porque não é satisfatoriamente municiado pela meia cancha.

Com um time destes não há esperanças de vitória.

É a partir deste momento que não resta alternativa senão rezarmos para que a lógica dos fatos, fria como o gelo, não atravesse o caminho de nossa agremiação. É na oportunidade do cataclismo iminente que esperamos pelo momento sublime do futebol: a injustiça que decreta nossa vitória em detrimento da derrota alheia e que separa o extraordinário êxito dos abomináveis em detrimento do retumbante fracasso dos merecedores!

É ela, a injustiça, quem entorta a ponta da bota do atacante inimigo e lança a bola violentamente em direção das arquibancadas, arrancando apupos da massa revoltosa.

É a dama que priva momentaneamente o árbitro e seus assistentes dos sentidos da visão por milionésimos de segundo e os impossibilitam vislumbrar o impedimento clamoroso de nosso atacante perna-de-pau e banheirista que, aproveitando a situação, estufa, não se sabe como, a rede do adversário depois de cabeçada violenta e desferida em afronta a todos os manuais da etiqueta futebolística, já que executada com os olhos mais fechados do que um cofre de banco.

É a entidade que sorrateiramente se infiltra nos placares dos estádios deste Brasil de meu Deus, modificando quase que imperceptivelmente as combinações de resultados, rodada após rodada, e que soterra as pretensões dos concorrentes, estes sim muito mais preparados, física e psicologicamente, que nosso arremedo de time.

É também a amante secreta que alicia pornograficamente senhores probos e íntegros, vestidos em suas togas suarentas e, embriagados pela luxúria, obstam as agremiações mais competentes e preparadas da utilização de seus atletas mais espertos com uma simples canetada. Extirpam pontos, retiram mandos de campo, aplicam multas, suspendem, suspendem a suspensão, citam, notificam e aplicam as suas penas as nobres Excelências, sem que abalem os alicerces do nosso glorioso pavilhão.

Enfim, a nossa vitória, hipotética vitória, não passa de mera ilusão de ótica. É o triunfo do mal sobre o bem.

Mas é aí, exatamente neste ponto, que me ocorre a pergunta:

Seria melhor se assim não fosse e tudo o que é errado desse lugar a tudo o que é certo? Se tomássemos o gol feito, se nos impedissem de marcar o tento ilegítimo, se os resultados de nossos inimigos contrariassem a todas as nossas preces e se as Excelências suarentas fossem mais contundentes contra nossos atos mal ajambrados? Só assim estaríamos contentes? Amaríamos o futebol se não lhe fosse a injustiça um defeito intrínseco que transita livremente por entre as suas engrenagens?

Não sei, mas hoje o Flamengo Campeão Brasileiro do ano de 2009 me fez esquecer que todas as conquistas dentro das quatro linhas têm sempre algo de imoral, algo de proibido, algum rastro de lama que respinga em nossas cores e talvez nos leve à conclusão inevitável de que amamos o futebol com a uma puta que hoje se entrega a nós com a mesma sofreguidão que se oferecerá a nosso maior rival no dia que virá.

Me fez esquecer também que o Flamengo não é um time de pernas-de-pau, mas não é um esquadrão em vermelho e preto. Me fez esquecer o lampejo de sorte que, desviando a pelota centímetros de nossa meta, a lançou contra a trave e impediu o tento adversário na partida dificílima. Me fez esquecer, por este mesmo motivo, do azar do atleta adversário. Me fez esquecer aquele nosso gol decisivo, que só ganhou esta denominação pelo beneplácito do juiz ladrão. Me fez esquecer as derrotas de Inter, Palmeiras e São Paulo em momentos mais do que apropriados. E me fez esquecer a nossa Justiça Desportiva, que dispensa maiores digressões.

E tenho a impressão que esta crise de amnésia, que certamente já se abateu sobre cada um dos senhores, em alguns mais, outros menos, simplesmente não importa. Basta em si mesma. O que importa, de verdade, no dia de hoje, é que o Clube de Regatas do Flamengo é o campeão Brasileiro do ano de 2009.

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