Porto Príncipe — Cenário de uma das maiores alegrias do povo haitiano, o estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe, agora é símbolo da tragédia que já deixou pelo menos 150 mil mortos. No mesmo campo em que as estrelas da Seleção Brasileira de futebol deram um show em agosto de 2004, no chamado Jogo da Paz, milhares de pessoas buscam abrigo e ajuda desde o terremoto que arrasou a capital, Porto Príncipe, e quatro cidades haitianas, em 12 de janeiro.
Atrás das traves em que Ronaldinho Gaúcho e companhia fizeram parte dos seis gols da vitória contra a seleção local, vítimas retiradas dos escombros são operadas — sem anestesia.
A estrutura de concreto, que comportava até 15 mil pessoas sentadas em suas arquibancadas, está condenada. Mesmo assim, o acesso ao estádio é livre. Gente entra e sai sem parar. Muitos, atrás de atendimento médico. Outros, levando ou trazendo comida e água.
Dentro das quatro linhas do gramado, tendas feitas de lençóis e todos os tipos de panos servem de moradia aos desabrigados. Ao mesmo tempo em que os desabrigados fazem comida com o que têm, defecam, urinam ou tentam descansar, dezenas de médicos atendem os doentes.
Boa parte dos agora pacientes morava nas casas e prédios de apartamentos ao redor do estádio, uma área central e muito populosa. Já os profissionais de saúde são voluntários da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) e originários de várias partes do mundo.
Berros e palmas
Nas três horas em que permaneci no estádio, acompanhei 50 atendimentos — 10 deles, cirurgias. Durante todo o tempo, escutei gemidos e berros de dor. A cada operação concluída com sucesso, porém, médicos e enfermeiros eram aplaudidos pela plateia ao redor das precárias tendas cobertas por lonas azuis da MSF. Familiares dos pacientes formavam a maior parte do “público”.
O caso que mais me comoveu foi o de um bebê. Com queimaduras no rosto e em outras partes do corpo, chorava sem parar enquanto recebia os cuidados dos voluntários. A mãe, uma mulher de 32 anos, não parava de agradecer aos médicos, mesmo durante o atendimento à filha dela. “Obrigado, Senhor, por enviar esses homens bondosos, obrigado”, repetia, evidentemente comovida.
Na maca mais próxima da criança, uma mulher berrava, enquanto os doutores tentavam tirar pedaços de ferro do corpo dela. “Ela é minha vizinha e foi atingida por um pedaço de concreto da casa da outra vizinha”, contou Adele Chevalier, 42 anos, hoje desabrigada.
(A foto é do Breno Fortes, meu companheiro na cobertura da catástrofe haitiana)
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