a história se repete?
(artigo publicado no caderno de esportes da edição de hoje da folha de são paulo)
A HISTÓRIA se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa, escreveu Karl Marx, um pensador hoje fora de moda. A frase vem a propósito da seleção montada por Dunga para a Copa do Mundo da África do Sul.
Todo mundo tem seu grande momento na vida, aquele que define o seu lugar na história, o ponto de referência a partir do qual todas as coisas são vistas. Para Dunga, evidentemente, esse momento-chave foi a Copa de 94, nos EUA.
Como todos se lembram, o Brasil foi campeão naquele ano com o futebol sólido e opaco imposto por Carlos Alberto Parreira. Dunga era o capitão e símbolo daquele time, que prezava acima de tudo a união, a disciplina tática e o espírito combativo.
O triunfo brasileiro nos EUA reforçou a ideia de que futebol bonito não ganha jogo e de que mais vale ser eficiente do que ser criativo. Era uma meia-verdade. Para defendê-la, era preciso "esquecer" duas coisas: 1) a importância, para a conquista, do talento individual de Romário, então o melhor do mundo; 2) o papel não desprezível do acaso, já que o Brasil terminou vencendo a final contra a Itália nos pênaltis, depois de um travado 0 a 0.
Nem vou lembrar a circunstância de que Romário só tinha entrado no time no último jogo das eliminatórias, a contragosto de Parreira e Zagallo, nem de que o Brasil passou raspando pela Holanda nas quartas de final, com um salvador gol de falta de Branco. Nem a de que os maiores craques da Itália, Baggio e Baresi, jogaram a final no sacrifício, contundidos. Não por acaso, perderam seus pênaltis.
O fato é que, com essa sucessão de acidentes, aquela seleção, muito criticada pela imprensa e pelos torcedores mais exigentes, acabou "calando seus opositores".
Por conta das críticas, criou-se na equipe um espírito meio de caserna, de coesão mal-humorada contra o inimigo comum (não só os adversários, mas a mídia, a opinião pública, o mundo em geral).
É esse espírito que Dunga recuperou e cultivou ao longo desses quase quatro anos à frente da seleção. Assim, ele dá muito mais valor à lealdade e à disciplina do que ao talento, à ousadia, à invenção.
Por isso entra meia dúzia de volantes "pegadores", por isso sai Ronaldinho. E não só ele, mas também Diego, Hernanes, Alex (do Fenerbahce) etc.
Toda a criação fica restrita a Kaká, toda a fantasia, a Robinho. Se um dos dois (ou ambos) não estiver em forma ou inspirado na Copa, estamos fritos. Não temos opções para a variação de jogadas, para a alteração de ritmo de jogo.
Não me entenda mal: o Brasil tem um time forte e é um dos grandes favoritos ao título. Mas tudo indica que passaremos por uma reprise de 1994, ou seja, aquele jogo triste e empacado, em que as vitórias traziam mais alívio do que propriamente alegria. Não deixa de ser irônico que, no mesmo ano em que vemos, internamente, um futebol exuberante praticado pelos garotos do Santos, mandemos à Copa um time que é quase o seu oposto.
Prometi ontem, no bate-papo de que participei na Folha Online/ UOL, escalar a "minha" seleção. Não coube. Fica para a próxima coluna.
jgcouto uol.com.br
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