quinta-feira, 4 de março de 2010

Pretérito imperfeito e futuro do condicional *

Oh, o futebol, que belo espetáculo... A Seleção Brasileira nos proporcionou uma baita exibição na última terça-feira. Não. Eu não estou aqui tentando te convencer de que aquele time do Dunga joga muita bola. Seria demasiada cara de pau de minha parte, estimado leitor, iniciarmos nossa relação nesse clima. Aqui me refiro ao vetê da final da Copa de 1970, que o canal ESPN teve a sensibilidade de nos oferecer horas depois do showtime de Gilberto Silva & Felipe Mello.

Videotape de futebol é, por definição, um troço simpático. Não se corre o risco de topar com inesperados resultados ruins, nem de se desgastar demais com alguma pixotada. É o futebol domesticado, isento de alarmes e surpresas, próximo ao desporto como sonhado por peritos como Carlos Alberto Parreira.

E o Mundial do México-1970 é um clássico filme de final feliz. Os mocinhos levam o caneco. Mas o barato do vetê daquela partida não são exatamente os gols — o passe de Pelé com o lado do pé, a corrida do Carlos Alberto, o leve solavanco da pelota na grama, o chute de primeira a estufar a rede. A glória.

O mais bacana é desmistificar a lenda. Ver o jogo em seus 90 minutos, sem cortes, com toda a cera que Félix era capaz de fazer. Eu, que não vivi a época, nem sequer desconfiava como Piazza era capaz de dar carrinhos alucinantes na bica de nossa área em plena final de Mundial. Nem que Brito mandava a barreira andar na hora de os italianos baterem falta. E a Itália, cá entre nós, até estava melhor quando Tostão foi bater lateral e mandou a bola para Rivelino cruzar de primeira e Pelé cabecear. O Pelé, aliás, andava escondido do jogo, como se costuma dizer. Até abrir o marcador.

Rivelino foi bater uma falta. Encheu o pé e mandou na geral. Clodoaldo já ia errando passe cretino no meio-campo, armando contra-ataque para eles, quando Carlos Alberto chegou arrepiando. No segundo tempo, partida empatada, Everaldo tocou de lado e, constrangedor, ficou vendo a bola sair pela linha lateral.

Pecados e virtudes de um time que virou mito, mas que já foi de carne e osso, como qualquer bando de jogadores. E muito se fala hoje de como era devagar o ritmo da época. Bater uma bolinha ao meio-dia do verão mexicano, convenhamos, deve ser pior do que Taça Guanabara quando o Flamengo fica andando em campo, olhando para o Olaria, e só joga bola na segunda etapa, quando o sol dá um tempo. Sim, Gérson tinha espaço para rolar a pelota em paz. Mas sua majestade, o Rei Pelé, apanhou dos plebeus italianos sem perdão.

A ESPN anuncia o vetê novamente para as 21h de domingo. Fortemente sugiro que nosso gentil Dunga se esforce e dê uma espiada. Para ver como Gerson jogava de volante e, ainda assim, era o articulador da equipe. Como Jairzinho e Rivelino abriam para as pontas e voltavam para dar combate no meio. Só para a gente ver que dedicação tática pode rimar com excelência técnica. E que é possível jogar com quatro camisas 10 no mesmo time. Duas ou três lições que nos seriam muito úteis para logo mais na África-2010.

* Coluna publicada hoje no Correio Braziliense.

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