Hoje, 27 de maio de 2010, estamos a exatos 44 dias do final da Copa do Mundo. Possivelmente até antes desse tempo, estaremos diante do linchamento nacional de um sujeito hoje convicto, coerente e eficiente - e nada mais do que isso. Mas que, conforme o resultado obtido – e julgando-se apenas por isso, para o bem ou para o mal – entrará para a história de forma desgraçada como cabeça-dura, turrão e incompetente.
Sim, o nosso Dunga sustenta suas convicções baseado nos resultados incontestáveis obtidos ao longo de quatro anos. Conquista da Copa América com um time B que goleou o time A da Argentina. Conquista da Copa das Confederações de forma aguerrida, tendo humilhado a Itália e sem ter precisado enfrentar a patética Espanha – que foi banida pelos Estados Unidos, veja só. Liderança tranqüila e folgada nas Eliminatórias, com resultados bem expressivos, como goleada histórica no Uruguai no Centenário e vitória inapelável sobre a Argentina em Rosário. Para não dizerem que só jogamos com bambalas, o Brasil também abotoou Itália, Portugal, Argentina (de novo) e Inglaterra em amistosos.
Os resultados vitoriosos, claro, serviram para esconder partidas grotescas, como os empates contra Bolívia e Colômbia em casa pelas eliminatórias, o empate contra o Equador (na melhor atuação da vida de Júlio César) em Quito e uma derrota ridícula para a Venezuela em amistosos. E, mais do que isso, serviram para firmar um monte de volantes ou meias sem habilidade no time, calcados nos resultados vitoriosos da equipe – sim, no saldo, o time do Dunga é muito mais vitorioso do que se imagina.
Eu absolvo o Dunga de boa parte das críticas. Assim como absolvia o Telê, o Felipão, o Parreira, o Zagallo, o Luxemburgo, o Carlos Alberto Silva (Lazaroni e Falcão não!!!). Porque eu sei, e isso me parece óbvio, que as reclamações ferozes, por mais bem argumentadas que possam parecer, são muito mais por uma indignação por não termos hoje condição alguma de ver um time jogar bonito e ganhar do que por realmente ver defeitos grotescos na forma de trabalho do treinador.
Vejo opiniões da crítica especializada e de amigos meus cujos pensamentos respeito muito destruírem o Dunga por motivos opostos. “Será um absurdo se o Dunga convocar o Adriano e o Kleberson”, me diziam Thiago Vitale e Daniel Brito há alguns dias. Nesta semana, por exemplo, Gustavo Marcondes mandou essa, cheio de convicção: “Achei um absurdo ele não convocar o Adriano. Ele está jogando para caralho. Não tem sentido o Dunga não levá-lo para a Copa. É um erro imperdoável”.
Reclamaram a todos os cantos que em 2006 as estrelas foram à Alemanha fora de forma, descompromissadas e nada jogaram. Um a um, todos foram sendo banidos da Seleção. Roberto Carlos e Ronaldo sequer foram convocados por Dunga. No geral, pouca gente reclama da ausência deles na lista que vai à África do Sul - apesar de que na lista de alguns cronistas para 2010 aparecia o nome deste cidadão que auta na lateral-esquerda do Corinthians. "Experiência é importante", disseram. Bah!
Ronaldinho Gaúcho? Jogou em 2006. Em 2007. Em 2008. Em 2009. E foi execrado pela crítica, que acabou também com Dunga quando este teve de convocar o já decadente ex-jogador do Barcelona para a Olimpíada de Pequim e, de novo, nada fez em campo. Bastou deixar de ser convocado (sua última partida pela Seleção foi no começo do ano passado) e fazer uma meia dúzia de gols pelo Milan – boa fase esta que, ressalte-se, durou não mais que um mês e meio – para já acharem absurdo sua não-convocação. Adriano? Nem preciso comentar, ne?
Outros supostamente talentosos que nem foram ao Mundial também são vistos por um como salvação da lavoura. “É um absurdo ele convocar o Julio Baptista e deixar o Diego de fora”, diz um amigo meu, revoltado. Outro emenda: “Diego? Só pode estar de brincadeira. Diego é jogador de clube. O Dunga tinha mesmo é que dar nova chance ao Alex que jogou no Palmeiras”. O inefácel Daniel Brito condenou veementemente Dunga por não ter chamado Denílson do Arsenal. Ou ter dado poucas chances a Lucas. Mas pergunto: quem são eles no jogo do bicho?
A lista de jogadores de meio-de-campo é absolutamente sonolenta e desanimadora, concordo. Mas pergunte para a maioria das pessoas quem elas chamariam para o primeiro volante? Pode até não ganhar, mas Gilberto Silva certamente será bem votado. Desde quando a gente teve algum volante craque nas últimas copas? Emerson? O próprio Gilberto Silva? Dunga? Mauro Silva? Alemão? Elzo? Não botem a culpa no primeiro volante. Nosso problema é de criação.
Em 2006 reclamaram do oba-oba e do acesso ilimitado dos torcedores aos treinos da Seleção Brasileira na Suiça. Atribuíram o descomprometimento do time em boa parte a algazarra dos treinamentos. Os sabidões ficaram fulos da vida com as fotos dos craques na night européia, com o excesso absurdo de peso dos supostos melhores atacantes do mundo. E pediram ordem na casa.
Missão dada a Dunga é missão cumprida. E o que ele fez? Agora limitou o acesso a concentração e aos treinos. Restringiu a presença de público no ambiente onde se encontram os jogadores. E aí? Ontem li o resultado e os comentários em vários sites e jornais: Vaias. Babaca. Chato. Turrão. Antipático. Enquanto isso, Neymar e Ganso chegam bebuns três e meia da manhã na concentração do Santos, tocam uma algazarra e todo mundo acha engraçado.
Ganso aliás que, em fevereiro deste ano (já depois do último amistoso da Seleção possível antes da Copa), era absolutamente desconhecido por muita gente aqui (conforme lembrei num post de uma coluna do Juca Kfouri que publiquei à época). "PHG? Alguém sabe quem é?". Depois de várias elucubrações, alguém lembrou: "Eita, é o Paulo Henrique Ganso, do Santos". Que deu a sorte de não ter sido convocado antes. O tivesse e talvez tivesse jogado mal numa meia dúzia de partidas (estilo Alexandre Pato) e ninguém mais falaria nada. Ou não. Poderia ter arrebentado e virado um novo Pelé. Vai saber...
Citam o nome dele (e do Neymar e até mesmo do Tolentinho Gaúcho) por carência, pelo motivo que citei láááááa no primeiro parágrafo: a vontade (legítima, ressalte-se) de termos um time jogando bonito e ganhando. Racionalmente, porém, a chance do moleque estourar na copa é muito menor do que a dele entrar e não fazer porra nenhuma. De se deslumbrar ou mesmo se queimar porque vai entrar na fogueira. Ainda assim, ressalto, seria legal levá-lo. Mas não acho condenável - muito pelo contrário - deixá-lo de fora.
Todos têm o direito de pensar diferente. De ver as coisas da maneira que melhor lhes convir. Mas o que estou dizendo é que, justamente por essa oscilação de opiniões (todas elas detratoras), não levo a sério essa destruição moral que estão fazendo e farão até o fim com o nosso simpático anão.
Voltando ao tema inicial da minha conversa – e se você chegou até aqui, agradeço pela paciência –, poderia enumerar milhares de argumentos favoráveis ao Dunga. Poderia justificar todas as atitudes dele de forma consistente. Ou até mesmo criticá-lo (ainda que, de novo, seus resultados sejam argumentos mais do que fortes para detonar críticas destrutivas ao seu trabalho). No fim das contas, toda a análise vai ser guiada exclusivamente pelo resultado que o Brasil apresentar nos próximos dias.
O caso de Dunga é mais complicado porque mesmo ganhando a Copa, tenho certeza que a petulância, cegueira e orgulho de alguns críticos os impedirão de fazer qualquer menção de reconhecimento ao trabalho do nosso capitão do tetra. Estilo rancor e ódio gratuito mesmo. Mesmo que jogue lindamente – nesse caso, o mérito terá sido dos jogadores (criticados por ele). Ele está em campo de guerra sem colete diante de uma horda de soldados raivosos munidos de metralhadoras cheias de mágoas (as ideias deles não correspondem aos fatos).
Caso perca nas quartas ou nas semis, o que acho o cenário mais provável hoje, mesmo jogando barbaridade, Dunga também será execrado. A vontade de escrotizar com ele é enorme. Alguns chegam até mesmo a derrapar e transparecer uma torcida aberta para que o time perca, exclusivamente para manter suas convicções. Se o Dunga perder na segunda fase, como já aconteceu com tanta gente, cara, eu tenho realmente pena dele. De verdade. O discurso já está pronto: “Dunga feriu a honra do futebol brasileiro que, mais do que a obrigação de vencer, tem que vencer e dar espetáculo. Ao preterir os talentos (NR: me diga que "talentos extraordinários" foram preteridos?) em favor dos seus homens disciplinados, Dunga mostrou o quão despreparado estava para enfrentar uma competição cheia de imprevistos e improvisos como a Copa”. Vai ser algo assim. Daí para baixo. Porque o moral de Carlos Caetano Bledorn Verri será ridicularizado anos a fio.
Não gosto de jogar feio. Não gosto de assistir jogo feio. Nem vou entrar nessa discussãozinha sem fim entre os losers de 1982 e os craques de 1994. Se o Brasil tiver pagando vexa, vou ficar com raiva, claro. Vou xingar o Dunga e a última geração do Felipe Mello como xinguei muito nos jogos contra a Bolívia e a Colômbia. Mas tenho a consciência tranqüila de que o cara teve todos os motivos e respaldos para chamar quem ele chamou. E para jogar do jeito que ele for jogar. Ele tem meu respeito e, sobretudo, minha torcida.
Sorte, Dunga. Você vai precisar e muita. Tanto na África do Sul como principalmente na hora da volta.
* They wanna keep us down, but they can last.
When we get up, we´re gonna kick your ass
Gonna keep on burning
We always will
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Manowar kills
OBS: Texto republicado também em outro site que divido com dois amigos daqui, o "Totalmente Sem-Noção"
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