O compromisso era inadiável e já estava marcado há muito tempo. Dia 20.06.2010, na parte da tarde, deveria comparecer ao aniversário de uma amiga de minha esposa dos tempos de faculdade.
A comemoração que seria realizada em um destes condomínios do Park Way me deixava apavorado. Só quem mora aqui em Brasília sabe que esta região, muito embora seja uma vizinhança do melhor gabarito, não permite qualquer tipo de plano “B”.
Explico-me: neste pitoresco bairro da Capital Federal, cercadas de belas casas, só mesmo outras belas casas a lhes fazer companhia. Nada de bares, botecos ou qualquer outro estabelecimento no qual eu poderia, em última hipótese e no caso de um contratempo, assistir ao jogo do Brasil contra a seleção da Costa do Marfim.
Não que eu tivesse alguma dúvida de que a amiga de minha esposa colocaria à disposição de seus convidados uma televisão. Acontece que um jogo da seleção em uma copa do mundo é uma celebração que, no meu modus operandi, só permite o compartilhamento com pessoas que conheçam e idolatrem o futebol com o mesmo tesão incontido que eu sinto com este que é o maior evento da Terra.
Não era isso, todavia, o que meus mais profundos instintos estavam me confidenciando ao pé do ouvido quando decidi embarcar rumo ao desconhecido, rumo ao aniversário da amiga da esposa.
Foi quando eu adentrei à residência onde a festa ocorria, isso por volta das 15:13 hrs, que percebi que todos os meus temores tornavam-se sólida realidade.
Minha primeira visão foi a do telão calculadamente instalado na parede lateral da varanda da casa, onde todo o brilho da tarde ensolarada resplandecia, tornando as imagens do Soccer City nada mais do que um pálido vulto projetado naquela tela branca sem vida. Um arrepio percorreu toda a minha espinha e naquele momento me dirigi nervosamente à máquina de chope para ver se encontraria uma solução dentro de uma tulipa cheia daquele precioso líquido dourado.
Depois de sorver todo o conteúdo do copo em duas talagadas, em estado de profundo desânimo fui inspecionar àquela obra das artes visuais procurando, em minha mente, quem teria sido o criminoso responsável por tamanha barbaridade. E talvez porque a frustração fosse visível em meu semblante que a dona da festa me informou que, se quisesse, poderíamos modificar a posição do projetor. Com esta autorização achei justo começar, de imediato, ao processo de correção daquele equívoco.
O telão foi reposicionado na sala de visitas com resultados surpreendentes. Som e imagem muito bons a menos de cinco minutos do início da guerra.
Contudo, algo não me cheirava bem: desde que cheguei percebi que nossa torcida estava escalada com nada menos que seis velhotinhas (uma delas com uma vuvuzela movida à pistão à tira colo), cinco senhoras de meia idade, cinco moças jovens, dois maridos e um namorado meio aborrecidos (assim como eu), e mais quatro rapazes que pareciam não diferenciar o time amarelo do verde. Completavam a formação o churrasqueiro com a camisa do Braziliense e sua esposa.
Começa a peleja e com menos de três minutos rola a primeira infração grave: a aniversariante abre um pacote de apitos plásticos nas cores verde e amarela. O resultado é previsível: a zoada que se segue ressoa no ambiente acusticamente privilegiado da sala de visitas e meu ouvido entra
Aos quinze do primeiro tempo entram em campo, sorrateiramente, duas menininhas de quatro, cinco anos, realizando piruetas incríveis na frente do projetor enquanto uma das moças, solteira e relaxada por conta do chopinho, grita aos quatro ventos: “Vai Julio César delííííííícia!”. Minha mulher percebe neste momento que estou profundamente irritado.
Primeiro gol do Brasil: todo meu auto controle é pulverizado com o escarcéu e saio, aos pinotes, daquele ambiente que mais parece uma pista de aeroporto. Procuro na chopeira por mais uma dose de controle, mas um dos rapazes, que me parecia mais alegre que todos os demais, me tira do sério quando diz que vai torcer pela “Coffsta do Marfim”. Perigooosa!!
Momentos de paz no intervalo, quando a rapaziada foi curtir um sonzinho lá na varanda e, enfim, pude apreciar um pouco de futebol à minha maneira. Claro que o sossego foi breve, muito breve, porque apitos, crianças, vovózelas voltaram à ativa e cada vez mais raivosos à medida que a seleção ampliava o seu marcador na segunda etapa.
Até mesmo no gol da Costa do Marfim pude perceber que tudo o que é ruim pode piorar quando, após a cabeceada certeira contra nossa meta, alguém exclamou: “Que Drogba!”
Piorando meu estado de ânimo, seguiram-se diversos lances do Brasil acompanhados daqueles tradicionais gritinhos que antecedem toda jogada que sabidamente não vai acabar em nada, e seguidos no caso de uma apitada violenta e despropositada. Isso sem contar que Michel Bastos e Robinho tornaram-se, para aquela patota, a mesma pessoa. Ou melhor: Michel Bastos virou Robinho e deixou de existir como jogador da seleção.
No fim do jogo, fiz um breve movimento de sinal da cruz, agradecendo a deus pela vitória do Brasil naquela tarde de domingo que foi uma verdadeira Drogba!
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