terça-feira, 22 de junho de 2010

A lição do Capitão


Cidade do Cabo – Morando há um mês e meio na África do Sul, tento sair de casa cedo para encontrar uma boa história. Nunca agendo nada. Nunca tenho uma pauta pré-definida. Procuro me informar com os amigos e o noticiário local sobre o que está ocorrendo de interessante, do ponto de vista estrangeiro. E se não encontro nada, saio andando. Muitas vezes dá certo, apesar das dificuldades de locomoção, do mau tempo (além do frio, chove na Cidade do Cabo três, quatro dias por semana) e do aparente risco em caminhar sozinho com uma mochila. Ontem foi um dia desses.

Após acompanhar in loco o massacre português, decidi almoçar no Waterfront, o cais com dezenas de lojas, restaurantes hotéis, o ponto mais turismão da Cidade do Cabo, a 10 minutos a pé do estádio Green Point. Comi aquele peixe, com bom acompanhamento. Paguei a conta (equivalente a R$ 20, com o refri!) e fui encontrar uns amigos de nacionalidades diferentes para vermos o terceiro jogo do dia, pois dois deles são suíços.

Entre tantas tendas montadas no cais, decidimos entrar em uma com um grande número de portugueses na porta. Era do Grupo Abril. Tenho preguiça de brasileiro que vem para outro país pra se juntar a outros brasileiros e passar o dia ouvindo música brasileira, ver algum ex-BBB e fazer pose pra depois ver a foto publicada em algum site paulistano. Por isso, não tinha plano de ficar muito tempo ali.

Mas estavam distribuindo Guaraná Antarctica, revista Placar e o diário da Placar (um jornal que estão editando durante a Copa). Aí vejo o fanfarrão do Ricardo Rocha, com camisa gola rolê, ao lado de um senhor sentado em uma cadeira de rodas. Reparo um pouco mais e o identifico: Carlos Alberto Torres, capitão do tri brasileiro.


Ambos estavam num mini-estúdio de rádio, um aquário, ao lado de um locutor. Os ex-capitães comentavam lances de Espanha e Honduras. Enquanto Ricardo Rocha mandava abraços para todos que passavam na frente do aquário e os patrocinadores da Casa Placar, Torres se esforçava para levar o trabalho a sério.

Naquele momento, pouco mais de 50 pessoas estavam no recinto. Metade de costa para o aquário e os monitores que exibiam a partida enfadonha. Eram jovens sul-africanos brancos, africânderes, o povo descendente de holandeses que massacrou a maioria negra por décadas. Meninos e meninas de cabelos lisos e olhos claros. "Gente bonita", sempre muito bem vinda e tratada nessas tendas.

Logo procurei me informar quem estava acompanhando o Carlos Alberto. Era um dos quatro netos deles, um rapaz de 25 anos, filho do Alexandre Torres, aquele que um dia tentou jogar futebol. Peço uma entrevista. O jovem pede para eu esperar pelo fim da “transmissão” da partida. Espero, tomando Guaraná Antarctica, enquanto meus amigos se divertem com a descoberta do totó (pebolim é coisa de paulista fresquim) e do jogo de botão.

Terminada a narração, meu entrevistado sai do aquário e é levado para frente de uma das telas de LCD. Logo é cercado por uns 10 senhores brasileiros, empresários, “parceiros” da tenda. Começa um mal editado e inaudível vídeo, com lances do capitão na Copa de 70 e depoimentos. Uma “homenagem” pelos 40 anos da conquista. De uma hora pra outra, o vídeo para e aqueles senhores batem palmas.

Um das jovens sul-africanas branca vira e me pergunta: “Quem é esse senhor, por que batem palmas para ele?”. Explico, faço uma comparação com o capitão da Seleção de Rúgbi da África do Sul da Copa do Mundo da modalidade em 1996 (filme Invictus) e ela fez cara de quem não entendeu nada.

Aos 66 anos, Carlos Alberto também não dava muita bola para a turma de sul-africanos brancos. “O que vale é os amigos. E o meu telefone não para de tocar”, comentou o capitão do tri, após perguntar a ele se muita gente havia lembrado da data. No entanto, Carlos Alberto não escondeu uma pontinha de mágoa pelo tratamento dispensado pela CBF aos jogadores do tri. “O Ricardo Teixeira se interessa mais pelo pessoal da geração dele, por isso não dá muita bola para nós. É a política dele, tenho que entender. Não tem problema”, afirmou.

Apesar de dizer “ter passado da fase de empolgar com homenagens”, Carlos Alberto fez questão de posar para fotos dos brasileiros que chegavam para a festa privada. Mesmo se queixando de cansaço, esperava pacientemente pelos preparativos dos fotógrafos amadores.

Após a sessão de fotos e autógrafos, ele pediu para ir um lugar menos barulhento, com menos gente, “para conversarmos melhor”. O neto empurrou a cadeira de rodas onde o avô estava sentado. Carlos Alberto reclamou de fortes dores na coluna, mas garantiu não ter nenhum problema. No entanto, de forma bem descontraída, ele conversou comigo por meia hora. Falou sobre a sua geração, a Copa do Mundo na África do Sul, o time de Dunga e Messi, quem considera o único craque no mundial até agora.

Em seguida, peço para fazer umas fotos dele ao lado de uma camisa do Brasil autografa por vários craques e exibida na tenda. Terminadas as fotos, ele pede para eu sentar ao seu lado. “Ei, você não quer uma foto? Manda pro seu pai, ele deve ter me visto jogar”. Pediu ao neto para segurar a minha máquina, fazer o registro, e ainda me deu um abraço e abriu o sorrisão.

Era quase meia-noite, não tinha prestado atenção em jogo algum, meus amigos haviam ido embora, estava só com a minha mochila, tinha que perambular pelas ruas para encontrar um táxi confiável e ainda escrever a matéria. Mas nada disso já me incomodava. Estava feliz.

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