quarta-feira, 28 de julho de 2010

Teletipos internacionais CBET — Arena do Jacaré

Sete Lagoas (MG) — A Arena do Jacaré é o assunto e orgulho de quem mora em Sete Lagoas. Na cidade de 200 mil habitantes e duas salas de cinema 2D, nenhum bom restaurante, nenhum teatro, nenhuma grande biblioteca, ginásio de esportes ou mesmo shopping center, o campo de futebol tornou-se a principal opção de lazer. Ainda mais após virar a casa dos maiores times do estado.

Setelagoano de nascença e brasiliense por opção, eu já vinha sendo persuadido pelo meu pai a conhecer a arena desde que ela entrou em reforma, no início do ano: "Renato, cê precisa vê a reforma, não para", "Renato, o governador já liberô o dinheiro pra iluminação", "Renato, cê precisa vê que beleza que ficou o estádio, tão dizendo que é o melhor gramado do Brasil", insistia o contador aposentado Jair Oliveira Costa, via Embratel, com base nas informações publicadas nos cinco semanários locais.

Após 80 dias de muito trabalho, futebol e Castle na África do Sul, enfim, não tive pra onde correr. De folga, fui visitar meus pais, irmãos, sobrinhos, tios, amigos, cachorros e piriquitos. "Que hora é seu voo de volta? Ah, então vai dá direitim procê vê o jogo do Cruzeiro contra o Grêmio. Vô comprá hoje os ingressos. Cê vai vê que beleza ficou o estádio", anunciou Seu Jair, sem dar chances à recusa.

Domingo de tarde escaldante, partimos eu, meu pai, meu irmão mais velho e um dos 10 sobrinhos (o mais fanático dos cruzeirenses) rumo à Arena do Jacaré. Ela fica às margens da Avenida Perimetral, perto da fábrica da Bombril. Na minha adolescência, região de históricas casas de encontro. Estabelecimentos conhecidos como Dora, Pretinha e Sonho Azul.

Material de construção

Em frente aos portões de entrada, nos deparamos com montes de terra, brita e sacos de cimento. Passando a catraca, após revista minuciosa, mais material de obra, inclusive ferramentas, guardadas atrás de telas fáceis de derrubar. Armas perfeitas para uma torcida organizada.

A obra de "modernização e ampliação" da Arena do Jacaré ainda não foi concluída. Com isso, dos anunciados 24 mil lugares, o estádio só oferece 15 mil. Quando o restante estará disponível, ninguém sabe ao certo. Já anunciaram três datas, todas não cumpridas. Vale lembrar que a Arena do Jacaré, batizada oficialmente de Estádio Joaquim Henrique Nogueira — "fazendeiro e membro de umas das mais tradicionais famílias da região, que doou o terreno onde o estádio foi construído", informa a Wikipédia —, foi inaugurada em 2006 (veja Memória), com capacidade para 18 mil pessoas.

O curioso é que, na época, os diários e semanários mineiros destacaram que a arena era "um dos estádios mais modernos do Brasil", mesmo sem iluminação, cadeiras, cabines de TV e rádio. Ao decidir fechar o Mineirão e o Independência ao mesmo tempo para reforma e ampliação visando a Copa de 2014, o governo do Estado de Minas Gerais se atentou que os dois grandes clubes de Minas mais o América ficariam sem estádio para jogar as séries A e B perto de Belo Horizonte. Com isso, assinou convênio com o Democrata de Sete Lagoas, o Jacaré, e assumiu a arena.

Mas, de cara, o governo das Minas Gerais percebeu que muito havia de ser feito para o novo e moderno estádio receber grandes partidas. E lá se foram mais R$ 16 milhões na ampliação das arquibancadas, instalação de cadeiras, construção de mais acessos e iluminação.


Voltemos ao jogo de último domingo e ao test-drive do CBET…

Ainda após passar da catraca e da revista, encontrei um simpático e esforçado vendedor de "bolim de fejão". A unidade da iguaria custava R$ 1. Duas horas após ter saboreado um típico almoço mineiro de domingo, ninguém da família estava com fome.

Caio, meu sobrinho de 8 anos, queria mesmo era sentar atrás do gol. "Ti Renato, lá a gente vê o Fábio de pertim", explicou, empolgado, exibindo a camisa número 1 do Cruzeiro. Fomos todos fazer a vontade do pequeno torcedor. Mas o sol não deixou. Na descoberta Arena do Jacaré, o sol se põe de frente para o único gol onde há cadeiras liberadas ao público. Decidimos ficar no meio da arquibancada central. Foi o início de três horas de cozimento.


Sem ter o que fazer e já não suportando tanto sol na moleira, fui dar um rolê. Subi 55 degraus até chegar ao único bar da grande arquibancada da arena, com um só caixa. Vi que o tropeiro custava R$ 10. Logo ouvi reclamações dos conterrâneos. "Que roubo! No Mineirão era R$ 6". Pedi uma das tias pra conferir a qualidade do produto.


Tavam lá o feijão, o torresmo com pouco cabelo, a carne e o ovo mal passado. Mas percebi que não havia fogão por perto. "Tia, de onde veio esse tropeirão?", indaguei. "Lá de Beagá. Foi feito hoje cedim, meu fio", respondeu, muito educadamente, a senhora com a camisa do Bar 10 do Mineirão. Parti pro plano B, um sanduíche de pão francês com lombo, provavelmente feito em Beagá também.


Banheiros químicos

Do bar sem proteção contra o sol — coberto só na área interna — percebi que a arena também só tinha um banheiro de alvenaria para cada sexo. Decidiram, então, alugar uns 40 banheiros químicos. Embaixo de tanto sol, não tive coragem de entrar e conferir a qualidade. Voltei à arquibancada de barriga cheia e o sol na cabeça. Para amenizar o sofrimento, a família Alves Costa recorreu a um picolé Gelak, made in Sete Lagoas.


Meia hora antes do início da partida, a arena começou a se agitar. Apareceram Fábio e demais atletas cruzeirenses para aquecimento (como se precisasse diante de tanto calor.) Em seguida, o tal do Raposão, acompanhado de um tal Raposinha – anão fantasiado de raposa. As crianças vibraram. Fiquei a imaginar o calorão sob aquelas fantasias.


Recorde de público

Devido a um acidente na BR-040, ambas as delegações precisaram modificar o trajeto para a arena. Os gaúchos acabaram chegando ao campo com um atraso de 30 minutos em relação ao planejamento inicial.

Apesar de tudo, o jogo começa às 16h em ponto, com folga na arquibancada liberada ao público. Na outra, ainda em obras, atrás de um dos gols, um bandeirão azul cobre as cadeiras. “Mas nunca a arena esteve tão cheia”, ressalta Seu Jair Costa. Ele tem razão. Cruzeiro e Grêmio batem o recorde de público do estádio este ano: 9.672 pagantes, para renda de R$ 208.796,25. Na sexta-feira anterior, América-MG e Icasa haviam jogado para 343 testemunhas, com arrecadação de R$ 5.730.


Bola quica e não se vê a lateral

Com o início da partida, ficam evidentes o péssimo futebol de ambas as equipes e os defeitos no novo gramado, aquele que seria o melhor do Brasil segundo os semanários setelagoanos. O campo parece perfeito da arquibancada. Mas a bola se desloca de forma irregular, quicando muito, de modo que os jogadores mostram dificuldades para dominá-la — alguns por falta de intimidade com a bola.

É normal que o gramado tenha uma curvatura para ajudar no sistema de drenagem, mas essa curvatura parece exagerada na Arena do Jacaré, de modo que se observa uma situação inusitada: de um lado do campo, não se enxerga a marcação da linha lateral do lado oposto. Como os alambrados são muito próximos do gramado, mesmo a lateral próxima fica invisível com a presença de público. Amigos contam que a visibilidade na cadeira cativa e no setor de imprensa é pior do que nos setores com ingressos mais baratos.

Show do intervalo

Após primeiro tempo em que deu calo no olho e insolação em muita gente, veio o melhor daquele fim de tarde em Sete Lagoas. Dois sujeitos deixam uma enorme corda no meio do gramado. Duas mocinhas anunciam atração por meio de uma grande faixa: “Desafio do intervalo”.

Do nada, aparece um sujeito com uma capa vermelha correndo no gramado. “É o super-homem, Ti Renato”, deduz Caio, meu sobrinho. Em seguida, outro super-herói, que, pela roupa verde, deduzimos ser o Hulk. Depois, mais outro. “Acho que é o Popeye”, comenta a senhora ao meu lado, entre um amendoim torrado e outro. Para encarar os três, reaparece o Raposão, mostrando os músculos. Após troca de provocações, começa o cabo-de-guerra. Quando o Raposão dá sinal que vai entregar o ponto, chega correndo o maior gladiador da arena, o Raposinha. Unidas, as raposas ganham a disputa e ainda colocam os super-heróis pra correr.

Placar de pano

Entre chutões, matadas nas canelas e muitas bolas aéreas pra driblar o gramado irregular, Cruzeiro e Grêmio empatam em 2 a 2, num jogo que perdeu pro “Desafio do intervalo”. O resultado ficou registrado no placar manual-eletrônico. Explico a nova tecnologia setelagoana: as equipes são identificadas por faixas com os nomes, escudos e cores dos clubes; os gols são destacados por dois minúsculos painéis eletrônicos, iguaizinhos àqueles que marcam o tempo de posse de bola nos jogos de basquete.

Nesse cenário, sem culpa da decisão das autoridades estaduais e dos cartolas mineiros, que permitiram que o Mineirão e o Independência fossem fechados para obras ao mesmo tempo, Sete Lagoas e a Arena do Jacaré receberão Cruzeiro e Atlético, no próximo domingo. Clássico com torcida única, do mandante Atlético. Medida inédita no futebol mineiro.


MEMÓRIA
A Arena do Jacaré foi inaugurada em 28 de janeiro de 2006 com vitória de 3 a 0 do Democrata-SL sobre o Atlético-MG. O primeiro gol foi marcado pelo jogador do Democrata, Paulo César, aos 15min do primeiro tempo. O recorde de público até hoje foi Democrata-SL 1 x 0 Atlético-MG, válido pela 1ª rodada do Campeonato Mineiro de 2008, com 20.500 pessoas. (Uai, mas a capacidade não era de 18 mil!?)

PARA SABER MAIS
Sete Lagoas está a cerca de 70 km de BH. Duas estradas ligam as cidades. A BR-040 tem pistas duplicadas em todo o trajeto BH-SL, mas é conhecida pelo alto número de acidentes. Ainda assim é uma opção melhor e mais rápida que a chamada “estrada velha”. Caminho mais curto para os torcedores que moram na região norte da capital, a MG-424 é duplicada apenas entre BH e Pedro Leopoldo, sendo em sua maior parte uma rodovia estreita, sem acostamento, de difícil ultrapassagem e com trechos de péssimo asfaltamento.


8 comentários:

Freire disse...

Ótimo relato. A Arena do Jacaré é tão tosca e inacabada quanto o novo Bezerrão - este, além de tosco e inacabado, já era sujo e feio no dia em que o Arruda se esbaldou com os 6 x 2 dos guerreiros de Dunga sobre Portugal.

Aliás, um teletipo sobre o Bezerrão não seria má ideia.

Felipe disse...

Excelente o texto. Grande pacas, mas dá pra ler do começo ao fim sem estresse.

Destaque para as aspas em mineirês, o troupeiro com classificação "eat at your own risk" e o placar eletrônico, impagável, ahoahoaa...

Temos que fazer uma editoria de teletipos. Daqui a pouco, vamos fechar os principais textos do país, hehehe...

abs

db disse...

1 - quer dizer que patetico  e zeiro vao ter que rodar 140 km uma vez por semana, no minimo, pra jogar ate 2014??? A oposicao ja viu isso???
2 - que combinacao explosiva essa do torresmo com as cabines borbulhantes hein?? arma de destruicao em massa
3 -foram os flamenguistas que comecaram com essa moda de ver seus jovens torcedores usando camisa numero 1 do goleiro com autografo no lado esquerdo do peito. 
4 - esse show do intervalo 'e uma piada
5 - bela foto do fim do jogo
6 - excelente relato. so faltou hiperlink para se encaixar perfeitamente no novo projeto...eheheh

Renato disse...

Tenho recebido muitas "homenagens" dos conterrâneos. Segue um trecho de uma delas:

"Oi, Renato! Acabei de ler o seu texto, muito bem escrito, é claro (também não podia ser diferente, afinal vc é um jornalista), e não vou negar a minha decepção. A minha decepção de imaginar em que vc se transformou. Ao escrever em 'mineirês', imitando a forma como o seu pai fala, fiquei imaginando: será que vc se esqueceu que tbém fala assim? Ou os anos na capital brasileira mudaram o seu jeito de falar? Onde fica a sua personalidade?

O que te leva a falar tão mal da sua cidade natal? Tbém esqueceu que nasceu e viveu por muitos anos aqui?"

Felipe disse...

Tô de cara que nego realmente ta achando que voce ta falando mal da parada.

E mais ainda porque ninguém tem coragem de comentar aqui, e em vez disso, fica te mandando emailzinho raivoso...

Eliane disse...

Na boa? Acho que às vezes o Renato exagera. Só não acho que tenha sido o caso nesse post. Como setelagoana, não me senti ofendida pelas críticas à Arena do Jacaré. Ele falou alguma mentira? E tenho tanto orgulho do meu mineirês que não acredito que alguns leitores tenham interpretado as falas do pai e do sobrinho do Renato como deboche... Deboche de quê?

Eliane

Anônimo disse...

O cara deixa sua cidade natal (7 Lagoas), vai morar na Africa e volta dando uma de dono de poço de petróleo do oriente médio. Se liga meu irmão. Você não veio de lugar nenhum e no afinal das contas foram eles (os da capital) que se intrometeram aqui em Sete Lagoas. Voltem pra lá então.

Anônimo disse...

Esses times da capital estão exigindo demais. Eles não estão com essa bola toda não. O Atlético todo ano fica beirando a segunda divisão. Já o cruzeiro já deveria ter seu próprio estádio a muito tempo. Aliás, um grande estádio, prá caber o tamanho da arrogância de alguns de seus dirigentes e jogadores. Falei...