Cuidando do filho, assistindo e reassistindo a alguns clássicos, lendo e relendo outros, eis que me deparo com algumas crônicas de João Saldanha. Não resisti. Eis aqui uma delas para deleite de meus companheiros de Cbet. É um pouco grande, mas vale muito a pena...
Assim... Entende?
O Globo, 25/02/1970
TEM HAVIDO MUITO POUCA DISCUSSÃO DE FUTEBOL EM TORNO DA seleção nacional. Claro, para uma coisa ser discutida, em primeiro lugar tem de haver pelo menos interesse, em segundo, conhecer um pouco. Daí a dificuldade da discussão. Algumas empresas, não encontrando em seus quadros quem possa levar o assunto, enviam até algumas meninas para colocar questões. E lá vêm elas coitadinhas com sua primeira pergunta acrescentada de uma advertência: "Olha meu querido, não entendo nada desse negócio (o negócio é o futebol) por isso eu quero só o lado humano do futebol." - Ora bolas, como se futebol fosse algo dissociado da vida, e não fosse profundamente humano. Então, de brincadeira, começo, logo:
"Ô garota, chutar uma bola é uma forma de emancipação..." Geralmente não me deixam terminar a frase, e perguntam logo em cima: "Não, não é bem isso. O que eu quero é alguma coisa diferente, assim, entende?" - Pronto, fico logo invocado quando aparece alguém querendo "uma coisa diferente na base do "assim entende". - Não, não entendo nada que não me for explicado com clareza. Depois engrenam e inevitável segunda pergunta: "Mas, olha, meu bem, você... você... hum... quer dizer, você poderia dizer como é que os jogadores resolvem o problema sexual?" - É uma parada. Não tenho outro remédio senão responder que nunca estive presente porque pegaria mal. E sou obrigado a responder na mesma base do questionário: sabe como é? Não é? Assim... entende? Acho que eles fazem como qualquer um, entende? Enfim, não sei, entende? Acho que deve ser como qualquer um, tá bom?
Por que não me perguntam por que prefiro atacantes do tipo Pelé, Tostão, Rivelino, Dirceu, Toninho, Coutinho, em detrimento dos chamados "tanques"? - Eu responderia que aqui no Brasil nunca tivemos uma boa fabricação de "tanques" para competir com os "tanques" europeus. Mas, em contrapartida, sempre tivemos em larga escala uma magnífica produção de craques artistas que em todas as épocas sempre competiram com os "tanques".
Leônidas, Nilo, Fried, Romeu, Tim, Zizinho e vai por aí afora até Pelé, Dirceu, Rivelino, Tostão etc. Não, absolutamente não sou eu quem vai modificar a característica do nosso jogo para competir no terreno de agrado do adversário.
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