sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sobre a violência na África do Sul


CIDADE DO CABO – Ao desembarcar na África do Sul há três semanas, com a minha mulher, a segurança era minha maior preocupação. Estava contaminado pelo noticiário e a péssima impressão que havia levado daqui três anos atrás, em minha primeira passagem pelo país de Nelson Mandela. Agora, inserido em outra realidade, tenho mudado minha opinião sobre o tema.

Sob o olhar estrangeiro, em especial de quem mora acima da Linha do Equador, a África do Sul parece ser bem mais assustadora do que realmente é. Mas, deixando o preconceito de lado e tendo como parâmetro o Brasil, é agradabilíssimo viver nesse país e acompanhar a Copa com segurança.

Infellizmente, a imprensa estrangeira não tem compreendido (ou não quer) a realidade sul-africana. O estrago já está feito. Dos 3 milhões de turistas esperados inicialmente, virão no máximo 300 mil (10%), principalmente por causa das notícias sobre a criminalidade local, aliadas a fatores como a ganância da South African Airways e de todo o empresariado do setor turístico sul-africano.

Colete anti-facada

Jornais britânicos chegaram a recomendar o uso de coletes a prova de facadas por parte dos seus conterrâneos que se aventurarem a descer ao extremo sul da África. Logo eles, a maior preocupação dos organizadores da Copa no quesito segurança. Para quem mora aqui, os ingleses são a ameaça real, os bichos-papões.

Em parte, entendem-se os temores dos europeus. Vivencio isso diariamente com os colegas de escola (além de trabalhar, estudo inglês em uma escola localizada num bairro rico e muito bem policiado da Cidade do Cabo). Os europeus pagam para não entrar em uma van, aqui chamada de mini-bus.

O medo é potencializado pelos "pais" locais, que fazem um terrorismo com os meninos e meninas que vieram estudar e escolheram viver nas casas das abastadas famílias brancas.

Essas pessoas, os ricos sul-africanos, criadores do apartheid, deixam claro o temor em relação a todas as pessoas que não são da sua raça. Partem do princípio que todo negro é suspeito, até que se prove o contrário.

Sim, o apartheid não acabou por completo, mesmo após 20 anos da libertação de Mandela. Mas isso é assunto para outro post. Voltemos a outro tipo de violência.

Tour por Soweto

As vans sul-africanas não têm nada de diferente das nossas. Tanto que me "arrisquei" em pegar quatro delas para visitar as áreas mais miseráveis de Soweto, em Johannesburgo. Estava com a minha mulher. A única coisa estranha era o modo como os negros me olhavam.

Eles me enxergavam como um bicho. Deveriam estar questionando por que cargas d´água aquele branquelo de olhos verdes estava metido em uma van apertada e barulhenta no meio de uma township. A presença de um branco numa van em Soweto só podia ser coisa de turista "aventureiro".

Eu e a minha mulher chegamos à conclusão que, tirando os olhares surpresos dos demais passageiros, aquela experiência não tinha nada além do que vivíamos nos tempos em que andávamos de ônibus ou van em Belo Horizonte e em Brasília, dos nossos tempos de estudante.

Nas ruas de Soweto, também não sofremos qualquer ameaça. Claro, estávamos acompanhados de um morador local, mas nada nem ninguém impediria um bandido de nos roubar ou até estuprar a minha esposa. Carregávamos dólares, rands e uma cara máquina fotográfica.

Nada de crime organizado

Em Soweto, os amigos que fizemos por lá (na foto, a dupla de brasileiros em uma creche mantida sem ajuda do governo em uma comunidade miserável) estranharam ao contarmos que no Brasil as favelas são controladas por homens fortemente armados, por bandos bem organizados, por gente que derruba helicóptero da polícia. Eles nos garantiram isso ser inimaginável nas townships, ressaltando que nelas há sim muita violência, mas em outro nível, como pequenos furtos e assaltos.

O tão propagado índice de assassinatos em Johannesburgo (37 por 100 mil habitantes), a cidade mais violenta da África do Sul, não é muito diferente do Rio de Janeiro (31 por 100 mil). E bem menor do que cidades como Salvador, Recife e Fortaleza, onde passam de 50 por 100 mil.

E para quem vem apenas para a Copa, vale deixar claro que os lugares centrais e frequentados por turistas normalmente já são seguros. E serão mais ainda durante o Mundial.

O governo sul-africano anuncia a criação do que classificou de “bolha”, concentrando policiais nos principais pontos de passagem dos turistas. Serão 44 mil homens dedicados integralmente à Copa, fora mais de 100 mil não-exclusivos e o Exército.

Bom senso, sempre

No mais, se você, como o nosso digníssimo Presidente Felipe Martins Campbell, vier à África do Sul para ver os jogos da Copa, o melhor conselho é usar o bom-senso, agir como se estivesse no Brasil.

Eu, por exemplo, em 10 anos de Brasília, muitos deles fazendo reportagens arriscadas, jamais entrei na Estrutural ou no Itapoã à noite ou desacompanhado durante o dia. Também não fui passear pelas bandas do Conic ou do Setor Comercial Sul após as 20h. Você que mora em outra grande cidade brasileira, anda no centro durante a noite? Caminha em uma favela despreocupado?

Aqui, antes de deixar meu bem protegido bairro, Newlands, casa dos Stormers, time de rugby, sempre procuro me informar com os moradores locais ou colegas de escola sobre onde ir, horários e melhor transporte. Sempre deixando de lado as dicas preconceituosas, exageradas.

Se tenho que ir ao centro ou lugares mais distantes, nunca vou sozinho, nunca carrego muito dinheiro nem equipamentos caros. Não me aventuro, saio explorando a cidade esmo.

No mais, quem vier, que seja bem vindo. Se quiser, me liga (agora tenho um celular!). Se der, tomamos uma Castle de 500ml a R4 (R$ 1).

P.S.: Minha mulher voltou para o Brasil há duas semanas, mais tranquila, após também deixar de lado o preconceito contra a suposta violência extrema sul-africana.

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